Quase todas as coisas, as pessoas
estão acostumadas a comprar. São ensinadas desde cedo de que se pode comprar
diversão, instrução, descanso, férias são pagas a quem não as tira.
E hoje, ouvi de minha avó que o
homem que chamei de besta, paga os ingredientes do bolo de chocolate que fiz. Esse
homem é meu pai e eu, num momento de visível irritação com mais uma de suas
desaprovações com os rumos que escolhi para a minha vida, assim o chamei,
desrespeitei-o, sei bem. Compra-se respeito, além de farinha e ovos para bolo.
Não sei se o que faço e falo é
tão absurdo a ponto de estabelecermos uma relação assim: onde tudo o que pagam
tem mais serventia do que a coisa em si, onde tudo serve para amar ainda mais,
concordar ou calar e consentir.
Paga-se por mais espaço na
poltrona do avião, paga-se para não perder tempo em filas, por um pouco de
gergelim no pão, para dar risadas dos outros em um stand-up, provavelmente
recheado de piadas machistas e homofóbicas. É habito natural, e nessa onda,
colocamos a eterna gratidão que os bons filhos devem ter para com seus pais –
independentemente de quem sejam eles, já são santos – na mesma gôndola. Não há
espaço para divergências, somos formados a seguirmos a mesma profissão, o mesmo
time de futebol, o mesmo voto nas urnas. Não basta já partilharmos a mesma cor
de cabelo e olhos?
Em quase cada (boa) ação de meus
pais para comigo, sinto-me cobrada e, por vezes tenho que de fato negociar com
dinheiro, uma troca. Mas não é uma troca salutar, há um tom áspero, impregnado
de obrigação, de obediência, de submissão.
Há muito tento me valer da
independência, mas nesse sistema onde tudo é mercantilizado e todos somos
mercadorias, do trabalho aos relacionamentos, ela não vem senão na folha de
pagamento. A independência não é senão financeira. É o fim dos tempos!
Quando foi que admitimos que
alguém com dinheiro em mãos, tem plena ciência do mundo, que pode ser livre em
seus atos, simplesmente por isso? Ora, uma criança com um mundo de dinheiro, é
apenas uma criança. Um adulto é responsável por seus atos, sempre.
Hoje eu pago parte de um aluguel,
para que não me digam que horas devo voltar e nem me interpelem com quem vou
sair. Pago, por uma rodela de limão na coca-cola e pra não me perguntarem com
quem vou dormir.
Não, longe de mim ser ingrata,
como tantas vezes já fui acusada, mas faço a analogia do passarinho preso na
gaiola que foi comprado para cantar. Num
mundo onde a liberdade não é senão miragem, utopia, só me resta lutar pelo
socialismo e pela revolução, quem sabe assim, saibamos que o amor não se compra,
é intangível e construído dia-a-dia na igualdade entre mulheres e homens.