domingo, 21 de abril de 2013

E hoje,



Quase todas as coisas, as pessoas estão acostumadas a comprar. São ensinadas desde cedo de que se pode comprar diversão, instrução, descanso, férias são pagas a quem não as tira.  
E hoje, ouvi de minha avó que o homem que chamei de besta, paga os ingredientes do bolo de chocolate que fiz. Esse homem é meu pai e eu, num momento de visível irritação com mais uma de suas desaprovações com os rumos que escolhi para a minha vida, assim o chamei, desrespeitei-o, sei bem. Compra-se respeito, além de farinha e ovos para bolo.
Não sei se o que faço e falo é tão absurdo a ponto de estabelecermos uma relação assim: onde tudo o que pagam tem mais serventia do que a coisa em si, onde tudo serve para amar ainda mais, concordar ou calar e consentir.

Paga-se por mais espaço na poltrona do avião, paga-se para não perder tempo em filas, por um pouco de gergelim no pão, para dar risadas dos outros em um stand-up, provavelmente recheado de piadas machistas e homofóbicas. É habito natural, e nessa onda, colocamos a eterna gratidão que os bons filhos devem ter para com seus pais – independentemente de quem sejam eles, já são santos – na mesma gôndola. Não há espaço para divergências, somos formados a seguirmos a mesma profissão, o mesmo time de futebol, o mesmo voto nas urnas. Não basta já partilharmos a mesma cor de cabelo e olhos?
Em quase cada (boa) ação de meus pais para comigo, sinto-me cobrada e, por vezes tenho que de fato negociar com dinheiro, uma troca. Mas não é uma troca salutar, há um tom áspero, impregnado de obrigação, de obediência, de submissão.
Há muito tento me valer da independência, mas nesse sistema onde tudo é mercantilizado e todos somos mercadorias, do trabalho aos relacionamentos, ela não vem senão na folha de pagamento. A independência não é senão financeira. É o fim dos tempos!
Quando foi que admitimos que alguém com dinheiro em mãos, tem plena ciência do mundo, que pode ser livre em seus atos, simplesmente por isso? Ora, uma criança com um mundo de dinheiro, é apenas uma criança. Um adulto é responsável por seus atos, sempre.
Hoje eu pago parte de um aluguel, para que não me digam que horas devo voltar e nem me interpelem com quem vou sair. Pago, por uma rodela de limão na coca-cola e pra não me perguntarem com quem vou dormir.

Não, longe de mim ser ingrata, como tantas vezes já fui acusada, mas faço a analogia do passarinho preso na gaiola que foi comprado para cantar.  Num mundo onde a liberdade não é senão miragem, utopia, só me resta lutar pelo socialismo e pela revolução, quem sabe assim, saibamos que o amor não se compra, é intangível e construído dia-a-dia na igualdade entre mulheres e homens.