quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Quando somos cativados


Recebi ontem um vídeo num grupo de whatsapp de amigos, reconheci de imediato a figura de meu colega.

Cássio é meu bixo, entrou um ou dois anos depois de mim no curso de Tecnologia em Saneamento Ambiental e logo se enveredou pelos movimentos. Lembro-me de ter ficado chateada com a conversa do grupo à qual ele e duas amigas pertenciam: preferiam que eu não participasse da chapa para as eleições do Centro Acadêmico, por ser associada a uma rudesa e agressividade que não era muito a pegada naquele momento. Fui ser comissão eleitoral com um amigo e a Chapa Cativar foi a vencedora das eleições de 2009. Depois que me formei, perdemos o contato.

Apesar do país continental, de maior biodiversidade e biomas incomparáveis, o movimento ambientalista no Brasil não é tão grande. Mas assim como alguns poucos amigos, Cássio rompeu a bolha de São Paulo e foi atuar na Amazônia. Espantosamente a região também é detentora da maior reserva de água subterrânea do mundo: Alter do Chão. Mas o que salta aos olhos são os rios caudalosos como o Negro, Madeira, Amazonas, Tapajós e tantos outros.

Foi no rio Tapajós que Cássio conheceu de perto o garimpo de ouro, ilegal, insalubre e muito lucrativo, que se intensificou na região desde a década de 1970. Cássio esteve ao lado do povo Munduruku, na luta contra esse projeto assassino. Isso porque, para sua extração é utilizado o mercúrio (que usávamos em termômetros e quando quebrávamos nossa mãe ficava desesperada) que evapora à temperatura ambiente e a doença associada a alta exposição é o Mal de Minamata. Nesse tempo em que esteve na região, Cássio se intoxicou com mercúrio gravemente.

Mas não é só o garimpo que adoece. As barragens para hidrelétricas são outro importante fator de contaminação, pois processos bioquímicos agravados pelo longo tempo de reservação de água, transformam o mercúrio inorgânico em metilmercúrio, sua forma orgânica, que entra na cadeia alimentar e que se bioacumula, isto é, aumenta de concentração conforme avança na cadeia. Exemplificando: peixes pequenos se alimentam pouco e se contaminam um pouco, peixes maiores se alimentam de muitos peixes pequenos e se contaminam mais e o ser humano come muitos peixes grandes e portanto, absorve mais mercúrio.  

Mas não é só Cássio que adoece. Em uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, ao analisar mais de 200 amostras de cabelo de índios yanomami e ye’kuana de 19 aldeias, verificou-se que em algumas regiões até 92% apresentavam contaminação por mercúrio. Em toda a região amazônica se consome muito peixe. 

Esse crime silencioso é cometido por grandes empresas e consentido pelo Estado, mas não pode ser ignorado por nós!

Aprendi o que é cativar numa antiga canção ensinada a mim quando criança: “Cativar é amar, é também carregar um pouquinho da dor que alguém tem que levar. Cativou, disse alguém, laços fortes criou, responsável tu és pelo o que cativou”

Cássio pertencia a gestão do Centro Acadêmico de Tecnologia Cativar e essa canção agora não me deixa dormir. Porque é preciso fazer mais. 
Não sei bem o que fazer, mas sei que vamos fazer. 

Referências:

Garimpo na região dos Tapajós

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Quinta-feira


Última que poderei largar a louça suja e pia sem você reclamar.
A última para eu me enganar e comer doces do armário sem você saber
Depois de tantas noites vivendo bem com sua voz, sua escrita, sua imagem na tela
Me deparo com tamanho estranhamento que é pensar em ter aqui pele pêlo e respiro.
O guarda-roupa nem tem tamanho para a roupa tua.
Estou aqui pensando que meus papeis espalhados pela mesa vão te reclamar.
Descobrirá de vez que ouço música pop
A cama estará sempre feita daqui pra frente. E de ombros ajeitados, coluna ereta sempre andarei.
Será a última vez que poderei esquecer de regar a pimenteira e a espada de São Jorge.
As tomadas não serão mais só minhas.
O café será feito com água à circular, no ponto de fervura.
Última poesia. Até agora.

domingo, 19 de março de 2017

Coisa boa

Sou eu que sinto as horas que não passam.
O nó na garganta da cidade que te mata, só de pensar.
O relógio marca paciência,
A caneta desabafa o turbilhão contraditório dessa linha torta e bamba entre confiar e amar.
Se o amor é uma coisa boa, por que com ele tudo fica mais difícil?
Não, eu não quero tolher seus caminhos,
Quero mirar o que a tua vista alcança,
Nadar em maré baixa, ouvir o silêncio dos pássaros e brisa leve,
Vestido e tênis na areia,
Dedos apertados pelas suas mãos.

domingo, 20 de novembro de 2016

Tic-Tac

É desgastante à distância.
Eu tenho vivido a minha vida numa involuntária contagem regressiva,
Quero que o presente seja o futuro
E gosto também de sair para dançar.
Mas pouco saio e tão pouco danço.
Difícil é terminar uma conversa sem um fim,
É arriscado magoar,
Pedir desculpas sem um beijo no rosto,
Um aperto na mão que desate o nó.
O tempo passa, mas ainda assim, há muito tempo.
As lágrimas caem no silêncio, no meio das léguas
E não chegam a lugar nenhum.
Tanto mar. 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

DeCaThlon


Tão fresco quanto o sol do inverno que brinca pela manhã,
Tua necessidade de estar em todos os lugares estimula os sentidos
E questiona a razão da província.
Tua figura me escapa dos dedos e,
Trêmula, como as páginas do livro que lê, com o vento, ainda sinto o calor de tuas mãos.
Enxergar o mundo com tuas lentes não é mais que ter vestido e buquê
À beira de uma queda d’água
Donde vive

Um penhasco. 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Dos lugares que irei


Certa vez pensei em ficar, ficar meus pés no chão.
Fazer repousar ânimo, coragem, vida.
Mas era da juventude o princípio e não deu para viver em tom pastel.
Sentia que precisava de um punhado de mar em minhas mãos, para me levar à imensidão.
Passado o que se foi. Aprendi a me guiar pela incerteza da vontade,
Agora tenho a cidade sob meus pés, vez, voz e vão (um desses vários dos sertões),
Meus argumentos estão concentrados em voar.
E que céus há para se descobrir (!) há um par de luas, fogueiras, areias, flores do mato num buquê de memórias,

De futuras histórias que hão de vir.