domingo, 20 de novembro de 2016

Tic-Tac

É desgastante à distância.
Eu tenho vivido a minha vida numa involuntária contagem regressiva,
Quero que o presente seja o futuro
E gosto também de sair para dançar.
Mas pouco saio e tão pouco danço.
Difícil é terminar uma conversa sem um fim,
É arriscado magoar,
Pedir desculpas sem um beijo no rosto,
Um aperto na mão que desate o nó.
O tempo passa, mas ainda assim, há muito tempo.
As lágrimas caem no silêncio, no meio das léguas
E não chegam a lugar nenhum.
Tanto mar. 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

DeCaThlon


Tão fresco quanto o sol do inverno que brinca pela manhã,
Tua necessidade de estar em todos os lugares estimula os sentidos
E questiona a razão da província.
Tua figura me escapa dos dedos e,
Trêmula, como as páginas do livro que lê, com o vento, ainda sinto o calor de tuas mãos.
Enxergar o mundo com tuas lentes não é mais que ter vestido e buquê
À beira de uma queda d’água
Donde vive

Um penhasco. 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Dos lugares que irei


Certa vez pensei em ficar, ficar meus pés no chão.
Fazer repousar ânimo, coragem, vida.
Mas era da juventude o princípio e não deu para viver em tom pastel.
Sentia que precisava de um punhado de mar em minhas mãos, para me levar à imensidão.
Passado o que se foi. Aprendi a me guiar pela incerteza da vontade,
Agora tenho a cidade sob meus pés, vez, voz e vão (um desses vários dos sertões),
Meus argumentos estão concentrados em voar.
E que céus há para se descobrir (!) há um par de luas, fogueiras, areias, flores do mato num buquê de memórias,

De futuras histórias que hão de vir. 


sexta-feira, 25 de março de 2016

Das chaves


Na dúvida, ele fecha a casa com chave tetra para que a colega não interrompa
O gole nas taças,
A disposição das cadeiras,
E a música ao fundo
Com sua (in)evitável presença.
No fundo, ele sabe que vai resistir. Mas
Acaba desistindo diante da noite de chuva e fazendo sentir sua existência.
Mais uma vez.
Ele quer um poema mais profundo, que o descreva melhor. Mas a resoluta companheira
Só o faz provar o sabor amargo dos vislumbres das brechas. Fruto de sua alma,
Que se torna enigmática na medida em que é conhecida profunda e profundamente.
O que será o seu amor?
Um boleante sentimento, como o vinho que rega a noite?
Ou como um cacho do cabelo dela, que se desenha lentamente, na medida em que se vê livre dos traços de um pente?
Tal qual o som da mata, que aos nos silenciarmos toma forma, é assim que tudo

(ou quase tudo) deve ser.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Das brechas

Ele me conta dos teus sentidos
Quando se move ao meu encontro
Teus dedos percorrem meu rosto para tirar algum cisco
Ou algum poro sujo de minha pele
Tua presença comedida, teus silêncios são teus talentos.
Seu gosto está nas bordas e brechas,
No samba que se toca ao fundo e na mão que de mansinho se apodera da minha.
Teu poema é me fazer sentir o doce envolto de uma crosta amarga
E sólida. Mas ligeiramente, apenas.
De tempos em tempos tento decifrá-lo e ele não está nos livros e enche-me de vírgulas.
Então o devoro, pousando meu corpo sobre seus desejos já revelados.

Já não és mais esfinge, és força, pulso e métrica.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Arte

Vontade que dá é sair correndo. Sua amiga chata é realmente chata. E implica com as palavras em voz alta, indelicadamente. E eu inconvenientemente passo a conversar, quem quer me ouvir?! Luzes e rabiscos na tela sugerem o que é arte. Indecretada. Moderna ou pós, não entendo esses nomes. Todos ao meu redor falam isso soletrando o mundo, codificando-o através da existência ou ausência do prefixo pós. Entediante. Tantos nomes falados de autores renomados me cerceiam. Não sei quem fez o filme, não sei da biografia, do livro no início da carreira. A citação é da academia, que não sai de nós. Eu bem sei que sou assim. Estou farta. Mas seguirei assim, caminhando por estes meios e distribuindo farpas aqui e ali, escrevendo poemas curtos ou longos, pretendendo-me bela por minhas críticas. E seguirei sendo chata como todos os outros tão clichês em busca do não clichê.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Seu Zé

Um ônibus desvia sua rota e sua pele negra nem se preocupa com o perigo de atropelamento. Seu andar esforçoso, porém fatigado ao subir a Rua Teodoro Sampaio, conduz uma carroceria que remete há uma centena de anos e que até hoje não parece ter saído do cenário. Não destoa do habitual. Olhos baixos, conformados, reafirmam sua posição histórica. Apenas mais um catador de objetos rejeitados pela sociedade. Apenas mais um objeto rejeitado pela sociedade.

Não se sabe seu nome e afinal, por que se saberá?

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Dona Neide

No bar do Seu Zé, Dona Neide nem descansa. Ela bota as empanadas de shimeji para assar, tira as tradicionais de frango com passas do forno, serve o delivery com porções congeladas e cede sua janta, uma salada em prato branco e raso, às moscas. Ela justifica: tem mais tempo de casa e por isso, mais trabalho. Serve de gelo um copo, suspira, enquanto os garçons brincam com as meninas das mesas. Ela coordena o balcão, troca a caipirinha de limão por uma de maracujá e volta a dar algumas garfadas em sua salada, de pé. Sai à 1h30 da manhã, mas justifica: mora aqui do lado. Interrompe sua janta mais uma vez para servir um refrigerante, mais uma original na mesa 4. Mas hoje tá tranquilo, justifica.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Essas meninas

Tudo o que nós queremos é que seja leve
Como a garoa que cai mansinha,
Que dispensa o guarda-chuva e, de repente
Nos molha por completo.
Não queremos um foagrá,
Apenas um ovo frito, alface, tomate, cebola,
Arroz com feijão diariamente.
Queremos que um vento de súbito nos envergonhe,
Os vestidos dancem, as mãos se entrelacem,
O riso nunca se perca e saia a caminhar no parque
Que o domingo não nos mate.
Queremos é esquecer a maquiagem e andar nuas,
Despidas de medo ou pudor.

Providas de voz e vontade.