sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ele

Ele não é meu,
Ele é do mundo
E vem dançar comigo em plena madrugada,
Ele tem aquilo que todo mundo quer.
Porque quando está comigo faz o chão desaparecer,
Subo ao sete céus,
Voo de asa-delta
E sorrio.

Ele é do mundo e ninguém o pode ter.
Mas a tua força não se percebe,
Teus poemas, teus mistérios - quem os lê?
Em vão tento decifrar-lhe,
E o que chega a mim é só o que ele quer
E isso é só que me resta:
Deixo-lhe trançar-me as pernas,
Acelerar-me o peito e prender-me em teu corpo moreno.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Delirar é preciso

Um amigo meu indicou um vídeo como seus votos para 2014. Ele escolheu as palavras de Eduardo Galeano, escritor uruguaio autor de As Veias Abertas da América Latina e Os Filhos dos Dias.
E eu que tenho o vício de julgar, categorizar e organizar tudo, todas e todos, achei de uma sensibilidade incomparável as palavras deste homem, com as quais nunca tinha me deparado, mas que couberam tão dentro de mim, cortando-me a alma sem dor, parafraseando Tunai em Certas Canções (Milton Nascimento/Tunai).

Abaixo, segue o texto referido, mas quem o ler não pode deixar de ver o vídeo com o próprio Galeano.
É inspirador! Eduardo Galeano - O Direito ao Delírio


O Direito ao Delírio

Mesmo que não possamos adivinhar o tempo que virá, temos ao menos o direito de imaginar o que queremos que seja.

As Nações Unidas tem proclamado extensas listas de Direitos Humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem mais que os direitos de: ver, ouvir, calar.
Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar?
Que tal se delirarmos por um momentinho?
Ao fim do milênio vamos fixar os olhos mais para lá da infâmia para adivinhar outro mundo possível.
O ar vai estar limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das paixões humanas.
As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pela televisão.
A televisão deixará de ser o membro mais importante da família.
As pessoas trabalharão para viver em lugar de viver para trabalhar.
Se incorporará aos Códigos Penais o delito de estupidez que cometem os que vivem por ter ou ganhar ao invés de viver por viver somente, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.
Em nenhum país serão presos os rapazes que se neguem a cumprir serviço militar, mas sim os que queiram cumprir.
Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.
Os cozinheiros não pensarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.
Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos.
O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza.
E a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se quebrada.
A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.
Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.
As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua.
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá crianças ricas.
A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la.
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, voltarão a juntar-se, voltarão a juntar-se bem de perto, costas com costas.
Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.
A perfeição seguirá sendo o privilégio tedioso dos deuses, mas neste mundo, neste mundo avacalhado e maldito, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro. 

- Eduardo Galeano

Que em 2014 deliremos e que nada seja impossível de mudar! Feliz 2014!